Por Evandro Barreto
Cézanne, Rimbaud, Hemingway, Picasso, Fitzgerald, Sartre e tantos outros que fizeram História de 1847 para cá não iam a La Closerie des Lilas para ver gente famosa. Iam para comer e curtir o ambiente. Eles se foram, de Hemingway ficou a lembrança numa placa, e a casa continua um dos pontos mais gostosos de Paris.
No início, aquela esquina mágica, que assinala o fim do Boulevard de Montparnasse, era posto de troca de cavalos das carroças dos correios e prestigiado local de pic-nics. Antecedendo o ecumenismo das escolas da samba, suas festas botavam aristocratas, povão, senhoras desinibidas e artistas sem dinheiro para dançar no mesmo ritmo.
O nome foi inspirado pelo jardim de liláses que cercava a Closerie.
Melhor seria dizer “as Closeries” porque elas são três, cada qual com sua proposta e sua fauna.
O piano bar acolhe os descolados com um repertório que vai de Piaff a Jobim, com certa parcialidade a favor de Gershwin. Pit stop perfeito, após um dia de trabalho duro, de passeios sem pressa, de consumo encantado – ou de uma noite que você não quer que acabe. Nas mesas do terraço, nos sofás da sala interna e disputando espaço no balcão, você encontra um pouco de tudo: jovens executivos de todos os sexos acompanhando crises em seus iPads, turistas de Kansas City esperançosos de virar personagens de Woody Allen, sobreviventes emocionais de um tempo que não viveram (há coisa de poucos meses, Betty La Blonde foi gloriosamente paquerada por um poeta de sobrecasaca e chapelão, fugido de um quadro de Toulouse-Lautrec).
A brasserie é até hoje o coração da casa. Enquanto fazia hora para a revolução, era ali que Lênin se despedia do que viria a proibir: pintura abstrata, literatura de heróis solitários, irreverência intelectual, recusa ao engajamento imposto. Dizem que também foi lá que Paul Eluard começou a rabiscar o mais eloqüente poema jamais escrito em louvor à liberdade. Olho em volta e fico imaginando que vizinhos de mesa serão amanhã verbetes de enciclopédia.
Alguns metros acima, um outro universo: o restaurante. O jornal sob o braço de quem sobe é quase sempre “Le Figaro” ou “The Economist”, dificilmente “Le Monde”, jamais “Le canard enchainé”. Definitivamente, não é a minha praia. A plutocracia tem poder e certas virtudes, mas não tem graça.
Como nem só de idéias a gente se alimenta, sobretudo em Paris, chega a hora de escolher os pratos. A dúvida é decidir o que mais se afina com nosso estado de espírito naquele dado momento, pois as opções são muitas – e todas convidativas. A nossa última incursão foi numa noite enluarada de outono e escolhemos o que achamos combinar melhor com as circunstâncias.
Abrimos as atividades beliscando sem pressa a terrine de foie gras. Na seqüência, La Blonde decidiu-se pela leveza de um paillard de veau, o que inspirou brevíssima nostalgia do falecido Antonio’s, que servia o melhor fettucine com paillard do Leblon, já não digo do Rio, pois havia quem preferisse a versão do Nino’s. Já o da Closerie é à prova de controvérsias. Dessa vez, quem pediu haddock fui eu e fui recompensado com sutilezas de aroma e sabor que fariam o poderoso Thor fremir de inveja. Carnes brancas de terra e mar eliminaram hesitações sobre o vinho. Um Chablis Laroche impôs-se sem alarde. Para retê-lo por mais tempo conosco, pulamos o capítulo da sobremesa. Depois que o sabor se evolou, somente café e licor. E que licor será mais coerente com a biografia da brasserie do que a poderosa variante verde do Chartreuse?
Como sempre, saímos com saudades antecipadas. Ao tomarmos o táxi na porta, o rádio tocava Mozart. O motorista, um togolês de cabelos brancos, que vivia em Paris desde o tempo que seu país era colônia francesa, perguntou-nos se a música incomodava. La Blonde respondeu que quem se incomoda com Mozart não merecia entrar no táxi dele. Daí por diante ele nos falou de sua paixão por música durante todo o trajeto. Quando nos despedimos na chegada ao hotel, começava o concerto para fagote de Vivaldi.
La Closerie des Lilas, 171 Boulevard du Montparnasse, 75006 Paris.
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Evandro Barreto é autor livro Na Mesa Cabe o Mundo, um delicioso e suculento livro de crônicas, em que o autor nos leva aos mais tradicionais bistrôs de Paris. À venda na nossa agência online Minha Viagem Paris, clique aqui.
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41 Comentários
Cláudia Oiticica
Amo essa sintonia e cumplicidade do casal. Fugido de um quadro de Toulouse-Lautrec? Sensacional!!
regina
Lina, como comprar seu guia?
regina
Adorei a crônica, parabéns para a equipe do Conexão, adoro ler todos os dias, queria ter isso tudo JUNTO, como fazer?
conexaoparis
Regina
Um dia lançamos todas essas crônicas. Aguarde.
regina
Eu topo um encontro, vou estar em Paris em abril 2012 e em novembro 2012, 16 dias e 14 dias!!!
Jane Curiosa
Lucia C
Até parece eu,mas acho que era Churchil?
“Meu gosto é simples,fico fácilmente satisfeito com o melhor.”
Jane Curiosa
Hummm! Um encontro em Paris? Posso ir,também? Prometo ficar quietinha.
Amo ler as histórias de Dodô.
Madá
Marcia Lube, que lindo seu depoimento! Mande mais noticias. Que bom que vc gostou do Joel!
Samuel
Vou anotar mais essa dica para a próxima viagem.
E, aproveitando a oportunidade, compartilhando mais uma vez este vídeo:
http://www.dailymotion.com/video/xe4nih_paris-vu-du-ciel-de-yann-arthus-ber_news
Muitos já o viram, mas é válido deixar o link aqui para que outros CPnautas o vejam.
Abraços a todos!
Suely
Dodô, Beth
Parabéns!!!
Marcia Lube completou com maestria e elegância incluindo os queridos pitaqueiros no relato das suas lembranças.
Bjs
Pati Venturini
Dodô
Uma delícia a forma como você descreve as cenas, para quem lê é como um filme passando, mais uma vez parabéns!
Beth
Como assim, sendo paquerada ao lado de Dodô? rsrsrs
Marcia Lube
Que relato carinhoso sobre os Pitaqueiros!
Beth Lima
*Dodô & Beth
*LuciaC
Voces são experts na gastronomia e nos levam a viajar na imaginação, aguçando os sentidos de uma boa refeição. Além disso, as dicas são excelentes.
Adoro ler seus comentários.
A idéia do(s) livro(s) será muito bem vinda!
*Marcia Lube
Adorei também seu texto.
Abraços a todos!
LuciaC
Marcia Lube,
Obrigada pelo carinho da lembrança.
LuciaC
Bom dia!
Adoro viajar nas aventuras de M.Dodô & MmeBettyLaBlonde e
me deixar enfeitiçar pelas palavras do autor do relato.
Vivenciadas com cultura é o que há no requinte do simples . Simplesmente o máximo!
Qualquer seja o local indicado por vocês, torna-se um tesouro
na preciosidade da escolha.
Seguir seus passos é um aprendisado, caminho certo para a qualidade.
Lembrou-me a frase:
“Meus gostos são muito simples, o melhor sempre me satisfaz.”
EduLuz
Queremos o livro, queremos o livro!
Falando de coisas práticas, quando será o lançamento, Dodô?
Márcia Lube, gratíssimo pela “minha” Grande Epicerie. 🙂
Beth
Queridas amigas e amigos
Fico muito feliz em constatar que mais uma vez vcs gostaram do relato das nossas noitadas parisienses….
Mas uma coisa tenho que dizer: aquele senhor muito simpático que se aproximou da minha banqueta no bar da Closerie simplesmente foi gentil com uma dama…
Risos e abs
La Blonde
Tatyana Mabel
Dodô,
Maravilha de texto! Detalhes, aromas e sabores nos encantam ainda mais por essa cidade.
Abraços
Dodô
Amigas e amigos,
Se mil outras razões não existissem para amar Paris, o carinho e o incentivo de vocês já constituiriam razão bastante para alimentar essa paixão e colocá-la em palavras que me escolhem, mais do que são escolhidas por mim.
De coração, obrigado a todas e todos.
Beth Lima
Dodô
Sua crônica me fez viajar. É como se estivesse lá observando toda a cena, como num filme.
Bravo!
Maria Helena Ranghetti(Lenna)
Dodô, li esse texto como se estivesse sonhando, pairando sobre nossa Paris e a Closerie de Lilás num tapete mágico. Provei todos os sabores, vi todas as cores e tive as sensações daquele momento teu e de la Blonde. E, também, senti a urgência de viajar até lá e andar num taxi com um motorista togolês ouvindo Mozart!!! Mais uma vez, parabéns!!!
eymard
Dodo, seu texto é mesmo inspirador. De Madá (o outono a inspirou ainda mais. Texto escrito na ponta do lapis) a Marcia Lube (obrigado pela lembrança nas tuas andanças…). Também ainda nao incliui a Closserie, mas nao tardará. Sempre haverá Paris, e a festa é por nossa conta (também, com tantos comensais em conexao, essa Paris é sempre uma Festa).
conexaoparis
Eymard
Vamos programar um encontro desta turma em Paris. Topas?
Marcia Lube
Adriana Pessoa
Homenagem muito merecida !
O amor de vocês todos por Paris é contagiante !
Adriana Pessoa
Marcia Lube!
Que linda homenagem aos Pitaqueiros!
Adorei!
Ludwig
Belo texto, adorei!
Marcia Lube
Dessa vez em Paris, ví tudo ao redor com outros olhos : os olhos das amigas e amigos.
E foi um prazer delicioso ir descobrindo pouco a pouco a cidade encantada da todos.
Que tarde deliciosa, num almoço tardio na Brasserie La Lorraine, vendo a Place de Ternes e imaginando La Blonde e Dodô na mesa ao lado.
E, depois também alí no Comptoir Saint Germain, lembrando daquele texto dos Comensais.
De repente fui seduzida pelos sabores do Atelier , pedí licença à Madá e fiz do Joel Robuchon o meu mais novo queridinho.
No caminho para a Grande Epicérie do Edu Luz, passei pelo Lutetia e imaginei a Helena Bauerlein degustando uma coupe toute seule , depois do Salon au Chocolat .
E não deixei de tirar uma foto do Au Sauvignon em homenagem a Lucia Carneiro.
A Pyramide do Louvre ficou vazia sem a foto magistral da Adriana Pessoa.
E que delícia deve ter sido ficar um mes no Marais naquele apartamento simpático. Aposto que o Amorino deve ter sido um tentação diária para a Tânia Ziert.
E em outros trechos, Paris estava como o Eymard gosta : cheia de poesia.
Senderens, Les Deux Magots e o grand finale no Tour d’Argent numa mesa pertinho da janela descortinando o Seine e a Notre Dame.
Mas…ficou faltando a Closerie des Lilas.
Sempre devemos deixar alguma coisa para a próxima.
E agora lendo esse texto irretocável, como sempre do Dodô, já estou ansiosa para marcar a viagem !
conexaoparis
Marcia Lube
Bravô!
Maurício Christovão
Se Woody Allen conhecesse vocês, os teria colocado no filme “Meia Noite em Paris”!!! Delícia de texto!!! Viajei direto!!!
Eduarda
Vocês dois são personagens!
Maravilha…
Adriana Pessoa
Que delícia ler mais essa maravilha do Dodô!
Combinou com o dia frio de BH.
Bjs.
Ana Maria Arinos da Silva El Daher !!!
Com o seu relato magnifico , me senti novamente em Paris , me deliciando com o seu menu e com o de La Blonde .!!!!!Maravilha de noite , quero viver isso tudo , tim-tim por tim-tim e pegar esse mesmo motorista de táxi , ah… se for outono o quadro estará perfeito !!!!! Beijos
conexaoparis
Ana Maria
Você estava sumida!
Francy
Dodô : novamente inebriada com seu texto,depois Do Paul Cézanne,André Breton,Oscar Wilde,Hemingway, Dodô e sua Blonde lá estão na closerie des Lilas.Como sempre disfarçada ,sento-me a0 lado do casal e degusto com os olhos todo o menu.Acostumada a almoçar anos atrás no terraço, pela primeira vez faço meu debut no jantar da Closerie, musica ao fundo ,pessoas elegantes,como fui esquecer deste templo por tantos anos ?Você poeticamente(este é seu estilo) nos leva para seu jantar e sem que perceba nos faz sonhar…~La Blonde com sua conhecida gentileza quebra o motorista do táxi com seu comentário, ao som de Mozart e Vivaldi vocês encerram a noite! E eu aqui começo a minha tarde ,com esta delicadeza de texto!Muitas noites e jantares maravilhosos prá vocês! bjs
Jacqueline
Mon Dieu! Seus textos são deliciosos. O estilo lembra Erich Maria Remarque. Escreva um romance. Será lido com imenso gosto e com direito até a pular a sobremesa.
Beth
Maria Cristina
Nosso jantar na Closerie des Lilas custou aproximadamente 120 Euros, serviço incluido.
Abs.
La Blonde…
http://www.closeriedeslilas.fr/
Vivian Mara Côrtes Camargo
Depois dessa descrição, como não ir ao La Closerie des Lilas? E com certa sorte topar com o taxista fã de Mozart…vou lá conferir!
Mariene
bela crônica.
Madá
Dodô, que delícia começar a semana assim, flanando por Paris, evocando as delícias do fuá, vitelo, chartreuse e o humor do “canard enchainé”. Sua percepção, reproduzida em seus textos, transformam o que poderia ser apenas mais um jantar, em um evento único.
Mando os lilases virtuais lindos, que você gerou, para saudar o outono de La Blonde e o seu.
Maria Cristina
Dodô,
depois de ler, a gente fica com muita vontade de vivenciar essa experiência. Vc. poderia nos dizer, aproximadamente, qual o budget a reservar para uma noitada assim?
Fico na expectativa de novas descrições poético-gastronômicas.
Claudia Maria
Brilhante e delicioso mais uma vez! Seus relatos são uma viagem! Parabéns!