Nos meus trinta e dois anos de vida parisiense tive tempo de sobra para perceber as características das preferências gastronômicas entre meus dois países: Brasil e França.
Eu sempre provei tudo, não tenho nenhuma fobia alimentar. Alguns alimentos me agradam já no primeiro contato, como o ris de veau — a glândula de crescimento do vitelo — mas outros, bem mais simples e banais como o anis, eu não consigo apreciar.
O famoso drink do verão mediterrâneo feito com anis, o pastis, não entra na lista dos meus preferidos. Mas aprendi a apreciar o fenouil (funcho) e a reglisse, todos os dois parentes próximos do anis. O fenouil cru ou em sopa é delicioso. Os bombons acima são feitos com a reglisse e vocês os encontram nas barraquinhas que vendem balas. Existe uma em Odéon.
Tudo se explica quando nos lembramos que o desenvolvimento do gosto começa em torno de 2 ou 3 meses antes do término da gravidez. A 6 ou 7 meses de vida uterina o bebê é capaz de perceber e memorizar os odores presentes no líquido amniótico e oriundos da alimentação da mãe.
Mais tarde, o contato com a variedade alimentar precoce via o leite materno, que se impregna do gosto dos alimentos consumidos pela mãe, favorece a aceitação de novos alimentos.
A educação do gosto na França é coisa séria e começa cedo, nas creches. Todos os dias as crianças, à partir de dois anos, são apresentadas aos diversos legumes, frutas e queijos franceses. Cada dia um produto novo, um novo sabor, uma nova textura, um novo odor.
De uma maneira universal, as crianças preferem os alimentos açucarados, carregados de gordura – sorvetes, bolos, iogurtes – os feculentos – fritas, massas e purê – e certas carnes como o frango e a carne moída.
A partir de 2 anos quase todas as crianças desenvolvem uma neofobia alimentar, uma reticência a provar alimentos novos. As refeições em grupo criam uma atmosfera favorável para que todas as crianças passem a consumir o mesmo alimento. O fato de ver algumas delas consumirem os novos alimentos com prazer, é um incentivo para a maioria reticente.
Em jantar entre amigos, recentemente, vi os avós rindo do neto de 3 anos degustando com prazer evidente um queijo de cabra envelhecido, com uma crosta grossa e mofada. Por precaução, eles correram a retirar a crosta e deixaram a criança comer somente o interior.
A minha longa vida parisiense me mostrou também que a educação do gosto continua vida afora. O principal é não ter medo do novo alimento. Eu aceitei quase tudo que a gastronomia francesa oferece. A lista dos categoricamente rejeitados é mínima e começa com a andouillette, um embutido feito com os elementos do tubo digestivo do porco. Para mim, a andouillette possui um odor e um gosto próximo demais da matéria prima.
http://sante.lefigaro.fr/sante/bebe/gout/quel-age-gout-apparait-il
http://sante.lefigaro.fr/actualite/2012/10/15/19290-charcuterie-vin-rouge-analyse-dun-succes
Descontos e presentes aos leitores do Conexão Paris
|
28 Comentários
Neftalí
Oi dillemba! Depois de ter comido sem saber un delicioso taco de gafanhotos (chapolines), e o huitlacoche (fungo parasita do milho) no México, eu até darei uma chance à andouillette, algum dia. Acho que com bastante mostarda de Dijon o negócio desce!
Mas tudo realmente é formação do gosto. No Chile e Argentina, por exemplo, é comum nas parrilladas comer a mama e os intestinos da vaca, além da morcela (o boudin noir em forma de linguiça, muito bom). As vezes até os rins. No Perú o espeto de coração de boi é um prato típico, excelente. Até preá frita (cuy) eles comem. Mas um singelo espetinho de coração de frango, nesses países vizinhos, é visto como algo exótico e nojento.
Muito interessante o post!
Lina
Neftalí
Eu gosto muito de joue de boeuf e de boudin noir. Gosto do boudin acompanhado por maçã assada. O gosto do boudin é suave, mas mesmo que fosse fort… as mulheres gostam de sabores pronunciados.
Evandro Barreto (Dodô)
Lina, Brillat-Savarin, acomodado numa nuvem do céu da boca, aplaude entusiasmado este post e sua autora. Toma um gole generoso de Chateau Margaux para arrematar o queijo e grita, lá de cima: Encore!!!
Lina
Caro Dodô
Vou tomar um rosé corso pensando em você e a blonde. Tim tim.
dillemba
Oi Neftalí. Obrigada pela resposta. Realmente boudin noir não é recomendado para quem é de muito mimimi, como eu. Quanto à andouillette, não prova, não. Fui procurar na internet e parece que o aspecto e o cheiro de fezes são indescritíveis.
Neftalí
Perdão, queria dizer feminino, o portunhol tá brabo!
Neftalí
Oi dillemba. Curiosamente acabo de almoçar uma bochecha de porco (joue de porc – charchas de chancho, no Chile) com fritas, é uma delícia e também recomendo.
A joue de boeuf é maravilhosa, quando bem feita. Lembrando que é a bochecha um músculo da cara do boi ou do porco, para que fique macio necessita muito tempo de preparação.
Várias vezes estive a ponto de pedir em Paris a andouillette, para provar. Mas não tem jeito, sempre termino pedindo um cassoulet ou um confit du canard. Quem sabe algum dia…
Outra recomendação, mas que não costuma agradar os paladares femeninos, é o boudin noir. Muito bom!
Amanda Pessoa
Oi, Lina,
Amei esse artigo e gostaria muito de saber se vc conhece algum curso específico sobre formação/educação do gosto ou alguma bibliografia específica? Pode ser em francês tb. Sou jornalista gastronômica e quero me especializar nesse assunto.
Agradeço antecipadamente sua ajuda.
Beijo, Amanda
Lina
Amanda
Não conheço cursos específicos sobre a formação do gosto.
No final do artigo, você encontra dois links para artigos que poderão te interessar.
Rodrigo Lavalle
Amanda, no final das partes 2 e 5 da matéria do Figaro cujo link está no artigo acima (http://sante.lefigaro.fr/sante/bebe/gout/quel-age-gout-apparait-il) existem indicações bibliográficas de livros ou estudos usados na matéria.
Abraços.
Maria de Lourdes Calixto
A educação francesa é mesmo completa! Há pouco vi professores franceses com seus aluninhos de 3 ou 4 anos, ambos carregando cartazes de protestos e gritando palavras de ordem em uma manifestação no quartier Latin! Não é o máximo?
dillemba
Obrigado, Lara. Vou experimentar então.
Lara
dillemba, pode ir no joue de boeuf sem medo de ser feliz, a consistência é ótima, uma carne de longo cozimento macia, e o sabor é bem comfort. De minha parte, só não curto muito rins, mesmo os bem feitos me levam pro banheiro do maracanã nos anos 80. Abs!
dillemba
Oi, Lina, Rodrigo e pitaqueiros. Algum de vocês já comeu joue de boeuf? Como é a consistência, é molenga como pele de frango cozida? Tenho curiosidade de experimentar mas receio que seja meio “disgusting”. Grande ideia a deste post, Lina, sempre salvando a gente de roubadas. Quando fui em 2013 provei escargot e foie gras e este ano e este ano pretendia encarar joue de boeuf e a andouillette, que é descrita como linguiça condimentada. Quem imaginaria que é uma coisa tão nojenta? Abraços e até breve.
Rodrigo Lavalle
Dillemba, eu já provei (e não gostei) a terrine de joue. Tinha carne e cartilagem.
A andouillette eu detesto. Tive uma primeira experiência traumática com o cheiro forte. Concordo totalmente com a Lina.
Nunca comi rins mas o garçom do mesmo restaurante onde comi a terrine de joue desaconselhou o prato para quem não havia crescido comendo a iguaria. Testemunhas dizem que o cheiro realmente é como os banheiros do Maracanã nos anos 80.
Abraços.