Em 1686, Louis XIV, 48 anos, soberano mais poderoso da Europa, estava prestes a perder uma batalha de ordem privada, uma batalha contra uma doença incômoda.
O rei sofria os horrores de uma fístula anal.
Seu médico, Antoine D’ Aquin, tentou resolver o problema com os meios disponíveis na medicina da época: remédios, pomadas, cataplasmas e outras aplicações cutâneas reputadas como sendo perigosas. Nada. O rei prostado, anulou festas, cavalgadas e aparições em público e, da sua cama, ditava ordens e dirigia o país. O rumor era que o rei estava morrendo.
Um dia, o cirugião Charles-François Félix de Tassy, depois de testar em pobres, mendigos e pacientes abandonados em hospitais e hospícios um método inovador de tratar essa doença, tomou a decisão de operá-lo. E assim foi feita uma incisão no canal do ânus real com um bisturi de lâmina curva, inventado especialmente para esta intervenção cirúrgica.
A operação, realizada sem anestesia, foi um sucesso. Louis XIV aguentou tudo, afrontou o mal com muita coragem e, como nas batalhas, foi vitorioso de uma guerra dada por muitos como perdida. No mesmo dia, após um leve descanso, encontrou com ministros, tratou de assuntos cotidianos e diplomáticos e fez uma aparição pública para ser aclamado pela corte.
O rei voltou mais forte, divino, mais soberano do que nunca.
Após a cirurgia, Louis XIV fez uma visita à Maison Royale de Saint-Louis, escola recém-construída para as filhas de nobres mortos pela França. A religiosa fundadora, Madame de Brinon, querendo agradar o rei, escreveu um texto para ser declamado pelas alunas: Grand Dieu sauve le Roi. Mais tarde este poema foi colocado em música pelo compositor oficial de Versalhes Giovanni Battista Lulli e se tranformou em hino real francês até a dissolução da monarquia absoluta em 1792.
Grand Dieu, sauvez le Roi !
Grand Dieu, vengez le Roi !
Vive le Roi !
Qu’à jamais glorieux,
Louis victorieux
Voye ses ennemis
Toujours soumis
Vinte e oito anos mais tarde, o compositor alemão Georg Friedrich Haendel, convidado em Versailles, conseguiu uma permissão para copiar o texto e a música. Traduzido para o inglês pelo músico e poeta Henry Carey, Haëndel vende ao rei da Inglaterra, Georges I, a nova composição, God Save the King.
God save our gracious King,
Long live our noble King,
God save the King !
Send him victorious,
Happy and glorious,
Long to reign over us,
God save the King !
E foi assim que graças à colaboração de uma francesa, Madame de BRION, de um italiano, LULLY, de um inglês, CAREY, de um alemão, HAËNDEL, de um bisturi inventado por um médico francês e da fístula anal de Louis XIV que nasceu o hino nacional atual da Inglaterra:
God Save the Queen.
51 Comentários
Kátia Abreu
ahhh Tom, caríssimo, seu bom humor “real” se manifesta também nos seus escritos. Abração, espero revê-lo novamente em Paris em uma próxima estada nossa (com você de guia).
José
Mérito dos investigadores, é certo, mas esta história é interessante assim, sem a limitação que a verdade lhe impõe.
Investigação e verdade precisa-se, para desmontar mentiras orquestradas como imaculadas verdades, ajudando alguns inocentes e do Mundo!
Andre Figueirôa
Grande Tom Pavese.
O Guia que vai buscar todos os buracos da historia.
André Stuckert
e parabéns Lina, blog show.
André Stuckert
Grande Tom aguardamos seu livro.
André Stuckert
história é historia… até o novo testamento escrito pelos evangelistas é contestada imagine o resto.
André Stuckert
Parabéns grande Tom…
Marcio
E me perdoem a falta de alguns acentos, meu teclado é em francês 😉
Marcio
Infelizmente, esta versao da origem do “God Save the King” nao possui nenhuma legitimidade, apesar de ser muito difundida na França. O unico testemuho escrito deste fato encontra-se no livro
“Souvenirs de la Marquise de Créquy”, um texto apocrifo escrito provavelment pelo seu neto, Maurice Cousin de Courchamps e publicado em 1839, ou seja, 150 anos depois da cirurgia e da visita de Louis XIV (A Marquesa nao vivenciou estes acontecimentos, pois nasceu possivelmente em 1710, e Louis XIV faleceu em 1715) . O texto, na sua integralidade, pode ser lido no site da biblioteca da Universidade de Chicago, com as notas originais e comentarios criticos em inglês. Escritos apocrifos sobre eventos monarquicos era um tipo de literatura farsesca muito comum na França nos meados de séc XIX. No primeiro Capitulo, por exemplo, “a autora” descreve como poodles eram usados como escravos nas cozinhas reais, como ela roubou aneis no tumulo de uma abadessa e outras situaçoes estapafurdias. A porçao genealogica do texto é provavelmente baseado em notas da verdadeira Marquesa, e em sua grande maioria sao historicamente fieis. Para maiores informaçoes, confiram esses links:
http://www.anglotopia.net/anglophilia/british-history/brit-history-the-story-of-god-save-the-queen-understanding-britains-national-anthem/
http://en.wikipedia.org/wiki/God_Save_the_Queen
e o texto original dos “Souvenirs” – a descriçao da visita de Louis XIV à St-Cyr esta no final do capitulo 4:
http://penelope.uchicago.edu/crequy/index.shtml
matheus
Ola! Preciso de uma ajuda rs sou de sp capital e em outubro vou para londres encontrar com dois amigos. No entanto, o valor da passagem para paris esta mais barato, mas to com medo da imigracao, uma vez que vou de la pra londres. O que fazer ? Muito obrigado
Lina
Matheus
Não tem problema se vocês mostrar que está em trânsito. Mostre passagem de avião ou trem para Londres.
zildinha
Muito bom Tom, escrito como o seu jeito de ser. Parabéns, Zildinha
Rosette Menezes
Parabéns, Tom! Sua cultura e conhecimento sobre a história da França é incrível.
Parabéns Lina Por incluir Tom em seu blog!
Suellen
Muito boa a história, além da forma que você a conta.
Acabei de ler uma matéria sobre você e o Conexão Paris na revista Lola. Adorável seu trabalho e sua coragem Lina, sou fã e leitora assídua.
Lina
Suellen
Obrigada.
eymard
Boa noticia um livro com textos do Tom. Sempre interessante essa mistura de história com a atualidade de Paris. E Tom é excelente nisso.
jorge fortunato
Valeu para sorrir neste domingo. E por favor: me amarrotem, estou passado.
Euclides
Uma maneira divertida de contar uma história “REAL”. Parabéns Lina, seu blog é reachedo de assuntos interessantíssimos, aguardo então o livro do Tom com outras textos parecidos. Abs
Mauricio Christovão
Parabéns, Tom!!! Excelente texto, muito divertido!!!
salete
Aguardo com interesse a reunião dos textos, que a julgar por esse, devem ser muito interessantes! Salete
Lina
Salete
Estamos avançando o projeto de um livro com os textos do Tom.
Ricardo , Elisa e Maria Clara Guerra Peixe
Oi Tom , mais uma história pitoresca que aprendemos com você ! Aproveitamos para agradecer mais uma vez os excelentes passeios históricos guiados ! Sua simpatia e conhecimento histórico encantou a todos, principalmente a nossa filha Clara. Recomendamos a todos que procuram uma visita cultural, ao Louvre e Versalhes, inclusive com os filhos.Um grande abraço !
Marcia Lube
Que narrativa interessante.
O Tom Pavesi desliza pela história naturalmente e nos leva com ele.