No sábado passado, apresentamos aqui a historiadora Natália Bravo. Natália criou três roteiros visando mostrar, aos turistas brasileiros, Paris a partir de uma ótica histórica.
São eles:
- Paris e a Revolução Francesa
- Paris e os Impressionistas
- Hitler em Paris
Apesar de termos tentado explicar o enfoque, o roteiro Hitler em Paris gerou uma i-m-e-n-s-a polêmica. Estaríamos tentanto nos aproveitar da tragédia humana? Estaríamos glamourizando um dos períodos mais sombrios da história humana? Estaríamos fazendo apologia ao Nazismo? Essas foram algumas das críticas que recebemos, sobretudo no Instagram.
Diante do questionamento, que acreditamos ser natural e saudável, viemos aqui explicar a proposta:
Nós, do Conexão Paris, acreditamos que uma viagem a Paris sempre será ótima. Ver a Torre Eiffel de perto é, sem dúvidas, um momento impactante. Mas é possível ir muito além – uma viagem a França pode ser uma experiência transformadora. O país tem muito mais a oferecer do que a visita a seus principais pontos turísticos. E, ao longo desses 12 anos, viemos tentando jogar luz sobre os aspectos da cultura e da sociedade francesa que consideramos inspiradores.
Quando a Natália nos procurou, quase morremos de alegria. Acreditamos ser uma oportunidade única poder descobrir Paris em companhia de uma doutoranda em História, e sob a ótica da História.
Paris foi palco de inúmeros momentos marcantes da história da humanidade. Mas por que propor justamente um roteiro sobre Hitler em Paris e a ocupação Nazista?
Frase celebrando a vitória alemã diante da Assembleia dos Deputados, em Paris, durante a ocupação da cidade pelas forças nazistas. Foto de Commons:Bundesarchiv na WikiMedia sob a licença Creative Commons
Acreditamos que rever a História não é fazer apologia a personagens ou ideologias. Acreditamos que expor o assunto é uma oportunidade única para a reflexão – especialmente em um momento como o atual, em que vemos o crescimento da extrema-direita, do nacionalismo e do sentimento de ódio e o surgimento de movimentos políticos autoritários.
Conciliar a descoberta de Paris e com uma aula de história, pode ser uma experiência, no mínimo, enriquecedora. Aprender sobre a ocupação nazista, incluindo os planos de Hitler para a cidade ou sobre qual era visão do tirano sobre Paris, descobrir como a população resistiu, enxergar como era o dia a dia durante a ocupação, tudo isso, acreditamos, será uma oportunidade de reflexão – sobre o passado mas também sobre o presente. Conhecer a História é a melhor maneira de não repetirmos os mesmos erros – acreditamos.
Deixamos agora, abaixo, a querida Natália explicar a proposta, a partir da ótica da própria História.
Aos leitores e às leitoras do Conexão Paris, me apresento: sou Natalia, historiadora, brasileira, mãe de uma garotinha de seis anos.
Sou também apaixonada por Paris. Hoje em dia, moro na cidade e estudo na École des Hautes Études em Sciences Sociales. Desde muito antes de me mudar pra cá, eu já era frequentadora assídua do site Conexão Paris. Se queria uma dica de restaurante, de programa cultural ou de atividade ao ar livre, era aqui que vinha buscar: a Lina e o Rodrigo nunca me decepcionavam.
Foi justo por isso que, quando tive a ideia de produzir roteiros em Paris com enfoque histórico, vim procurá-los. Sabia que aqui encontraria sensibilidade e escuta às minhas ideias. Nos meses que se seguiram, enquanto planejávamos os percursos, mal contive a ansiedade. Por isso, no grande dia de sua publicação eu estive acompanhando tudo de perto.
Foram muitas as manifestações de interesse pelos roteiros. Que bom! E também algumas críticas – ao título do percurso sobre Hitler, ou à fotografia em que ele aparece, com sua comitiva, em visita à torre Eiffel. Que bom, também! Isso foi, pra mim, uma demonstração de que há muitas pessoas que permanecem não sendo indiferentes aos episódios mais brutais e tristes da história humana. Apesar das tantas ações de ódio que têm ocorrido no mundo inteiro, há muitos e muitas ainda capazes de se incomodar, e de expressar esse incômodo.
Portanto, acredito que as reações suscitadas pelo post são uma oportunidade única de diálogo, até mesmo sobre os significados de se ensinar e de se aprender história, coisa que fiz e tenho feito nos meus últimos quinze anos de vida.
Papai, então me explica pra que serve a História?
A tentativa de responder a essa pergunta levou à redação de um dos livros de História mais bonitos e importantes até os dias de hoje – Apologia da História ou o Ofício do Historiador. Em suas páginas, Marc Bloch, historiador francês de origem judaica, capturado pelos nazistas enquanto participava da resistência francesa, escreveu a seu filho, de dentro da prisão, uma longa resposta plena de afetos, mas também de grandes ensinamentos.
Placa em homenagem a Marc Bloch no edifício onde o historiador viveu em Paris. Foto de Celette sob a licença Creative Commons
Assim como o filho de Marc Bloch, eu também fui essa criança que interroga os mais velhos (no meu caso, a minha avó) sobre o que é “esse negócio de História”. E hoje a minha filha, quando questionada pelos amiguinhos sobre a atividade da mãe, responde, entre convicta e orgulhosa:
“Minha mãe é professora de livros.” A história e suas questões ainda lhe parecem alguma coisa de muito abstrata, difícil de entender. De algum modo, todos somos ou fomos essa criança que pergunta ao pai a importância do seu ofício, não é?
Segundo Bloch, o historiador é como o ogro da lenda: onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça. Ou seja, para os historiadores, tudo o que é humano não nos é indiferente. É o homem, no tempo, e não o passado por si só, o objeto maior de interesse do historiador. O homem, nos seus erros e acertos. Na sua grandeza e na sua pequenez. Nas suas eternas contradições.
E é desse jeito que eu gostaria responder aos leitores que se sentiram incomodados com a proposta de roteiro sobre Hitler e a Segunda Guerra Mundial: à história e ao historiador não cabem exaltar, celebrar, elogiar ou reverenciar personagens e acontecimentos históricos. A história não é mais uma narrativa edificante e gloriosa, cheia de personagens heróicos, como foi “no tempo dos nossos avós”. Lembro agora da minha outra avó, que também adorava história e ficava imensamente decepcionada quando me perguntava o nome de um rei, de um imperador ou a data de uma batalha, e eu não sabia a resposta. Dizia a ela, entre risos:
“Vó, eu sou historiadora, mas não sou uma enciclopédia, hein?”
Hoje se pensa a história como possibilidade de ampliação, de compreensão: como uma janela que se abre diante dos nossos olhos, para que a gente possa enxergar melhor e de forma mais complexa, o mundo lá fora. Para que, munidos desse conhecimento, possamos refletir e fazer as escolhas que se impõem a todos nós no presente. É nele, no presente, que estão os pés e os óculos do historiador. E seria muito interessante oferecer essa oportunidade, essa possibilidade de olhar, de participar e de viver o debate histórico também àqueles que não tem a história como objeto de suas reflexões diárias: não são historiadores, terminaram os estudos há muito tempo. Mas têm curiosidade, têm interesse, querem saber.
É esse, portanto, o nosso objetivo: que a história extrapole os muros da escola, da universidade. Que, como matéria viva, ela possa ser sentida e discutida por todos, em cada esquina, em cada monumento, em cada ponto da cidade de Paris. Quais são as histórias que a cidade de Paris tem para nos contar? Pretendemos oferecer algumas delas a vocês. E proporcionar, com isso, uma experiência de imersão cultural imensamente rica, que alie o turismo à reflexão, ao debate, à compreensão.
É um convite irrecusável, não é?
Para fazer o roteiro Hitler em Paris ou os demais roteiros, entre em contato com a Natália pelo email parisdehistorias@gmail.com.
49 Comentários
Arthur
Prezados, é prudente esclarecer.
Atentem para o que é um “roteiro” e o que é “dica da Natália”.
Um roteiro turístico é um plano técnico e deve ser elaborado por um guia de turismo certificado ou um bacharel em turismo, como este que vos escreve. O processo de formatação se apoia em um método + variáveis de outros profissionais. O historiador é fonte de dados históricos, apenas.
Grato.
Natália
Prezado Artur, permita-me discordar de você. Os historiadores não são fontes de dados: são intelectuais que produzem conhecimento histórico a partir de fontes históricas. As fontes não somos nós: são os documentos. A cidade é documento. A cidade produz narrativa histórica. A sala de aula da história pode e deve ser a cidade. E a história deve estar disponível a todos. Essa é nossa proposta. Abs
Otavio Antoniacci Junior
Fantástico!!!Tudo!!! Desde o iniciativa da Natália até o conteúdo desta matéria ou contextualização histórica. Um olhar diferente! Uma experiência fora dos padrões do turismo convencional! Um momento para se guardar na memória! Algo a contar aos amigos além de apresentar a fotos da maravilhosa Paris. Conexão Paris é um exemplo onde se encontram PROFISSIONAIS de 1ª linha.
Rodrigo Lavalle
Otávio, obrigado pelo retorno e pelos elogios! Ficamos muitos felizes e realizados.
Gil
Gostei da novidade com relação aos roteiros históricos. Parece-me bastante interessante.
Abs
Gil
Anna Silva
São opções de roteiros . Cada um escolhe aquele que lhe interessa fazer ou não escolhe nenhum. Ninguém é obrigado a nada.
Ana Castro
Parabéns pela iniciativa. Seguidora incondicional do Conexão Paris. Muito me ajudou a cada Ida a esta linda cidade
Rodrigo Lavalle
Ana, obrigado pela confiança.
Cassi
Não entendi a polêmica, afinal, obviamente se trata de um passeio sobre a Segunda Guerra. Eu me interessei imediatamente. Parabéns por mais essa opção!
Sibele Ruas Zerbini
O trabalho de vcs é maravilhoso, confiável, sério, infelizmente existem pessoas que estão aí para perturbar, causar polêmicas, acredito que nem irão à Paris, continuem acreditando no que fazem, vcs ajudam muitos turistas. Parabéns sempre pelo trabalho.
Rodrigo Lavalle
Sibele, obrigado.
Tatiane Ferrari
Parabéns pelos roteiros. Particularmente tenho muito interesse em conhecer mais da história da segunda guerra e ocupação nazista. Todos nós deveríamos ter conhecimento das atrocidades do passado para não repeti-las no futuro, afinal, um povo sem memória é um povo sem futuro.
Rodrigo Lavalle
Tatiane, obrigado.
Maria Carolina Martins Furini
Muito boa a proposta dos roteiros! Todos eles.
MonicaSA
Por estas e por outras que o Conexāo Paris é único. Sabe como poucos fazer a conecāo da Paris de hoje, de ontem e do amanhā. Super!!!!
Solange Borro
Continuem inaltecendo a nossa Cultura. Obrigada pela história apresentada.
Rodrigo Lavalle
Solange, obrigado.
Carolina Iturrieta
Acho mimimi demais quem se manifestou contrário ao roteiro. Eu fiz um roteiro semelhante em Praga, e foi para conhecer a estória e a passagem de Hitler por Praga.
Pamila
Meus caros, parabéns pela criação destes roteiros! O que seria de Paris sem sua história, talvez muito mais trágica do que glamourosa? Assim como já disseram aqui nos comentários, o roteiro que mais me interessou foi o de Hitler! Será um sucesso, tenho certeza!
Rodrigo Lavalle
Pamila, obrigado.
Jorge Fortunato
Sou Guia de Turismo no Rio de Janeiro e aqui tenho um roteiro sobre a Pequena África, onde são abordados o período da escravidão, do Cais do Valongo, passando pelo cemitério dos pretos novos e a pedra do sal, local de resistência e berço do samba carioca. Podemos apagar a História e falar só da Abolição?
Parabéns Natália por propor uma nova maneira de ver Paris.
Lina e equipe, Bravo!
Rodrigo Lavalle
Jorge, obrigado!
Josecelia Perego
Adoro o trabalho de vocês do Conexão Paris e achei incríveis os temas sugeridos na parceria com a historiadora Natália.Parabens pela iniciativa e sucesso,sempre!!!
Rodrigo Lavalle
Josecelia, obrigado!
Érica lopes
Cada vez que leio mais os posts do conexão Paris e site, mais orgulhosa fico desse canal de informação!
O que diferencia vocês dos demais canais que conheço pelo Instagram é exatamente a grandiosidade do conhecimento que compartilham, não só sobre o ponto de vista do turismo de consumo, cartão postal etc (que também tem seus propósitos), mas também a grandiosidade do conhecimento histórico! Grata
Rodrigo Lavalle
Érica, obrigado pelos elogios e por nos acompanhar.
Alex
Tem pessoas que adoram polemizar . O que diriam se fosse a Berlim e visse o que resultou do nazismo . E história , ninguém pode apagar , é bom conhecer pra que não se repita os erros . Pessoal do conexão meu apoio a vcs por mostrarem a história . Sempre algo vai desagradar a alguns .
Rodrigo Lavalle
Alex, obrigado pelo comentário.
Washington
Acho uma iniciativa fantástica!
Paris é uma cidade em que se respira e se vive a história praticamente em cada esquina. É valido sim um passeio onde se possa enxergar os traços de história que a cidade vivenciou, qualquer que seja o período.
marcialube
Não vejo motivo para polêmica.
As opções precisam ser dadas. Escolhe e faz quem tem um interesse específico.
É cansativo e desestimulante ver diariamente blogs como o mesmo assunto, sem novidades …
Cleide Garcia
Gente história é história e não se pode esquecer dela, mesmo que a história não seja necessariamente o que a gente goste de lembrar.
Tem muita gente ignorante por aí.
irca oliveira
Boa tarde, já fui á Paris e fiz vários passeios com as dicas maravilhosas deste blog, e quando for novamente seguirei as dicas, deste conceituado canal, que sempre se preocupa em mostrar uma Paris mais bela e verdadeira!
Rodrigo Lavalle
Irca, obrigado pelo comentário e pela confiança.
Alexsandra
Tem uns assuntos que viraram tabu e que os mais sensíveis acham que devem ignorá-los, uma vez que vão queimar no inferno eternamente só de pensar neles.
Devemos simplesmente esquecer que todas as guerras não ocorreram…
Eu ando nas ruas de Paris quase diariamente e vejo buracos de balas em várias paredes de vários prédios. Para a França isso é história e os buracos devem continuar onde estão.
Helcio Cremonese
Parabéns a vocês todos do Conexão Paris! Já morei aí e considero Paris minha cidade. Só uma sugestão, criem um percurso explicando as placas de mármore que comemoram não só onde morou Santos Dumont, mas os defensores de Paris no 24/08/1944 e outras personagens e datas que são lembradas todos os anos. Tem um livro “ A história do Brasil nas ruas de Paris”. Autor Mauricio Torres Assumpção. É interes
Rodrigo Lavalle
Helcio, obrigado pela sugestão. Aqui no blog temos vários artigos escritos pelo Maurício Torres Assumpção (clique aqui) e vendemos o livro dele no Minha Viagem Paris (veja aqui).
Monica Da Silva
Sou uma mulher apaixonada por história desde de criança. Ter a oportunidade de conhecer Paris, um país com a cultura rica em história me fez um ser humano melhor. Ontem quando eu vi o artigo Conexão Paris, que eu particularmente amo, e faz parte do meu dia a dia…. Fiquei já planejando a minha próxima viagem e participar do grupo com a historiadora Natália, não se trata de apologia e sim cultura.
Rodrigo Lavalle
Monica, estamos te esperando para fazer o roteiro.
Maria Helena
Me solidariza com os integrantes do Conexão Paris e com e Natália. Esse tipo de roteiro capitaneado por historiadores existe em muitas cidades, não como qualquer forma de apologia, mas sim como instrumento de conhecimento e debate. Quem interpretou de outra forma, interpretou absolutamente errado e demonstrou desconhecer o perfil do Conexão Paris.
Rodrigo Lavalle
Maria Helena, obrigado pelo comentário.
Ana Fernandes
Boa tarde, em relação ao passeio sobre “Hitler em Paris”, achei uma proposta muito interessante e bastante adequada ao momento que vivemos agora, com o avanço da extrema-direita em várias países do mundo. Conhecer temas como esse e debatê-los, nos conduz a uma reflexão sobre q mundo é esse q estamos vivendo. Parabéns pela iniciativa.
Janaina
São interessantíssimos os roteiros com recorte histórico propostos, pois enriquecem uma viagem que não fica no caráter meramente de se fotogragar nos pontos turísticos sem imergir na riqueza histórica e cultural que o país oferece. Quem não gostaria de saber detalhes de como as obras do Louvre fora m protegidas dos Nazistas? Por que Paris não chegou a ser bombardeada? Super !
Rodrigo Lavalle
Ana, obrigado.
Viviane Castanheira
Eu indo a Paris , com certeza, irei fazer esse tour ! Extremamente enriquecedor e que agrega uma visão especial sobre o parisiense que viveu e sofreu as consequências da ocupação nazista . Existem alguns historiadores que escreveram livros sobre este momento , como Tillar Mazeo em o Hotel da Place Vendome … Ótima sugestão de roteiro para os que amam história!!! Parabéns Conexão Paris !
Rodrigo Lavalle
Viviane, obrigado.
JOSE LUIZ JACINTHO JUNIOR
Super válida a explicação prestada , contar a história é um dos objetos do turismo e dos guias especializados . Mostrar como uma cidade chegou até aquele momento é fundamental para entender a arquitetura , a arte e aos fãs de cinema sabemos que Paris sempre foi citada , aliás França sempre mencionada na história mundial . Parabéns pela proposta de trabalho , acompanho muito as publicações
Rodrigo Lavalle
José, obrigado.
Rogéria
Boa tarde, apesar da polêmica, esse foi o passeio pelo qual mais me interesei, e com certeza farei na minha próxima ida à Paris!
Rodrigo Lavalle
Rogéria, estamos te esperando.