Você está vindo passar o fim de ano em Paris e quer entender melhor o fenômeno dos Gilets Jaunes? Explicamos o movimento dos Gilets Jaunes e o que a história tem a ver com isso.
Por Natália Bravo de Souza
Quem são os Gilets Jaunes? A verdade é que nós, que vivemos aqui, também estamos tentando compreendê-los. Com uma quarta manifestação feita ontem, o movimento dos Gilets Jaunes, ou coletes amarelos, tem praticamente monopolizado a cobertura de imprensa na França das últimas semanas.
Cena do filme Un peuple et son roi de Pierre Schoeller
Os Gilets Jaunes
Os Gilets Jaunes têm uma agenda difusa e pouco clara. Entre as suas demandas estão a suspensão do aumento de impostos dos combustíveis, a insatisfação quanto ao aumento do custo de vida e a exigência da renúncia do presidente do país, Emmanuel Macron. O brado Macron Demission é de longe o mais popular entre os manifestantes.
O movimento tem também uma facção conhecida pela violência de suas ações. Sobretudo em Paris, depredaram monumentos nacionais valiosos aos franceses, como o Arco do Triunfo.
A última característica do movimento seria a ausência de representatividade clara, com lideranças constituídas. Afirmando-se como apolíticos, eles recusam a associação à partidos ou entidades tradicionais de representação dos trabalhadores, como os sindicatos. O que dificulta ainda mais a negociação entre governo e manifestantes.
Enquanto isso, Macron parece assistir ao aprofundamento das manifestações de cima de uma torre de marfim. Desde a última semana ele se mantem num silêncio absoluto e inquietante, suscitando críticas dos especialistas e também dos jornalistas que se debruçam sobre essa questão. Talvez sua estratégia seja colocar na linha do fogo seu primeiro ministro, Edouard Philippe.
Gilets Jaunes e revoltas populares
É verdade que as revoltas populares não são novidade na história francesa. Desde a Idade Média, passando pelas Jacqueries e pela Revolução Francesa, o povo tem-se sublevado contra regimes e medidas que consideram injustas. No entanto, e apesar de uma vasta história de manifestações populares, o fenômeno Gilets Jaunes parece inquietar pelo que ele apresenta de novo: entre os seus manifestantes há militantes da extrema-direita e também da extrema-esquerda.
Políticos da extrema-esquerda francesa, como Jean Luc Mélenchon, e da extrema-direita, como Marine Le Pen, tem manifestado apoio entusiástico aos manifestantes, que permanecem mobilizados, apesar das medidas anunciadas pelo 1º ministro garantindo a anulação do aumento das taxas de combustíveis, do gás e da eletricidade.
Gilets Jaunes e revolução francesa
Como historiadora, tem me chamado atenção a frequência das referências, entre os manifestantes, ao acontecimento histórico mais importante do país: a Revolução Francesa. Há alguns dias, presenciei, pixada num dos prédios imponentes da Avenida Champs Elysées, a frase “Aux armes, Citoyens”. Trata-se de um trecho da Marselhesa, canção e grito de guerra dos revolucionários de 1789 convertida em hino francês.
A insatisfação quanto à intenção do rei Luís XVI de aumentar os impostos foi, assim como hoje, o estopim para o início de um processo revolucionário que transformou radicalmente as sociedades ocidentais. Com a Revolução Francesa, novos conceitos, como os de cidadania, de representatividade popular/nacional, de direitos civis, de constituição, de laicidade do estado e de liberdades individuais passaram a fazer parte do vocabulário político europeu e mundial. No Brasil de hoje, somos regidos pela constituição de 1988 que conta entre os seus artigos com inúmeros princípios saídos da Revolução Francesa.
Ao mesmo tempo, são comuns entre os insatisfeitos as comparações entre Macron e Napoleão Bonaparte, general francês alçado a imperador pelas vitórias de seu exército durante a Revolução Francesa. Indiferente, autoritário, presidente dos ricos? Parece evidente que o presidente francês tem enfrentado uma enorme crise de popularidade, que enfraquece o seu governo. Por outro lado, representantes dos mais diversos partidos políticos franceses têm vindo a público para, evocando os mesmos valores da Revolução Francesa, conclamar os manifestantes à conciliação. A democracia, o voto popular e o respeito à constituição precisam prevalecer.
Nesse sentido, apesar da impopularidade do presidente, eles chamam a atenção para a importância de se respeitar e se defender a manutenção do seu mandato. A defesa dos valores republicanos tem servido, também, para conclamar o povo a optar, nesse momento crítico, por uma solução negociada que permita o atendimento às demandas populares mas, também, o respeito às instituições democráticas do país.
Você, que às vezes se pergunta o que a história tem a ver com o seu dia a dia, tem no fenômeno Gilets Jaunes uma bela resposta: à luz da história, seguiremos acompanhando, nos próximos dias, os desdobramentos políticos desse fenômeno.
Natália escreveu também um texto sobre a história dos Cafés de Paris (clique aqui).
Natália Bravo de Souza é historiadora e brasileira, nascida na cidade do Rio de Janeiro. Após concluir o curso de mestrado e trabalhar por anos com ensino de História, fez as malas e partiu rumo à concretização de um sonho antigo: continuar os estudos em Paris. Hoje cursa a École des Hautes Études en Sciences Sociales.
8 Comentários
Pousada em Ilha Grande
Ótima explicação
Kátia
Tenho viagem marcada para França em maio/2019 e estou um pouco apreensiva com as manifestações. Quais lugares devo evitar aos sábados, para não correr risco de encontrar com os manifestantes?
Obrigada!
Rodrigo Lavalle
Kátia, os locais onde as manifestações acontecerão só são decididas durante a semana anterior ao sábado em questão. De qualquer forma, o governo proibiu manifestações na avenida Champs Élysées. Não se preocupe. Veja o site dos jornais parisienses como o Parisien.
Maria das Neves
Movimento hoje tá parecendo com o daqui do Brasil, onde a classe política estava por trás com o objetivo de tramar e derrubar um presidente eleito pelo voto. É preciso avaliar para não ser massa de manobra de quem realmente está por trás de cada movimento.
Milva
Fico um tanto incomodada com a situação alheia a postura acolhedora e turística esperada na cidade luz;Paris para mim era referência de bom gosto para férias;chego antes do Natal preocupada com o que vou encontrar…triste
Rodrigo Lavalle
Milva, as manifestações só aconteceram aos sábados e em algumas partes da cidade. Nos outros dias da semana você vai encontrar a mesma Paris maravilhosa de sempre. Mesmo no sábado passado (dia 15/12) as manifestações foram mais tranquilas. A mídia explora o que acontece de ruim.
Ricardo
“Você, que às vezes se pergunta o que a história tem a ver com o seu dia a dia, tem no fenômeno Gilets Jaunes uma bela resposta”. Parabéns Natália e CP por este sopro de sensatez, tão incomum nos dias atuais.
STEFANIA
Parabéns pela clareza na exposição do texto.